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Vestido de Tinta. Leia a crônica de Léo Borba


Sem ninguém perceber, estava ali. Plantado na calçada da avenida, segurando uma prancha de surf. Fitava o horizonte, em meio ao abafamento da tarde.

Janeiro quente. Ainda mais quente que nos verões anteriores. Por causa do calor, poucos caminhavam por ali. Iam, alguns, para o terminal urbano. Outros, para o trabalho.

Em cima de todos o sol forte; irritante, que fazia suar. 33 graus e uma sensação de bem mais. Ao lado do termômetro, ele não suava. Não se mexia. Coberto de tinta, segurava a prancha com os olhos no horizonte. No chão, uma caixinha para receber as moedas, alguns trocados...

As estátuas vivas têm origem, segundo relatos, no antigo teatro grego, quando alguns “actores” faziam poses de estátuas. Na renascença, grupos em imobilidade faziam apresentações com mostra de quadros vivos.

Na Roma antiga, as estátuas humanas retratavam situações do cotidiano, como forma de protesto aos atos do governo.

No piso quente da calçada, ele continuava estático. Olhando o horizonte, como quem observa o momento de pegar a onda. Sentir o vento que sopra do mar.

Do terminal, chega a mulher embaixo da sombrinha. Caminha sem pressa, como quem faz uma visita.

Admira a performance do surfista vestido de tinta e confere o termômetro. Com um sorriso, aproxima-se e coloca a sombrinha sobre ele.

Um breve e carinhoso lenitivo ao calor. O surfista de prata, então, mexe-se. Agradecido, entrega uma pequena tira de papel.

“A amizade, depois da sabedoria, é a mais bela dádiva feita aos homens”. (François de La Rochefoucauld) Uma espécie de recibo aos que depositam um cachê na pequena caixa.

Para a mulher da sombrinha, uma lembrança por um momento em que a arte, tocada pela generosidade, agradece, troca de pose e continua com a performance temática em “movimentos estáticos”.

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