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Na Curva do Entardecer


Por: Léo Borba


Pegou a mochila, fechou o apartamento e entrou no carro. Ainda tinha na boca o gosto do desjejum, quando chegou à rodovia. Com a janela aberta, tentava deixar pelo caminho a irritação com este tempo pandemônico. Não tanto pela necessidade de ficar em casa, quanto pelo comportamento de vizinhos do prédio e de boa parte da população da cidade.


Praias lotadas, festas escusas, passeatas... “How many roads must a man walk down Before you call him a man?” (Quantas estradas um homem precisará andar Antes que possam chama-lo de homem?) A pergunta do Bob Dylan ecoava pelo carro que seguia pela BR. Sentia o vento no rosto e não sabia a resposta. Atento à estrada, via as reflorestas de pinus e as lavouras. Percebeu a mudança da paisagem e sentiu falta das araucárias e dos campos de pastagem.


Pensou em parar na Barraca da Bica D’água para comprar alguns produtos coloniais. Estava fechada. “Não posso me conformar”, pensou em forma de desabafo, lembrando-se da própria empresa. Fechada desde o início do isolamento; com os empregos mantidos. Ao anúncio da flexibilização, tomou todos os cuidados com a segurança sanitária e os funcionários, aliviados, voltaram ao trabalho. Alívio de pouca duração. Com o descaso geral, o aumento de casos da doença. E, de novo, as portas fecharam.


Decidiu ir para o sítio recém-comprado, no alto da serra. Yes, how many times can a man turn his head Pretending he just doesn't see? ("Sim, e quantas vezes um homem pode virar sua cabeça Fingindo que ele não vê?”). As perguntas Dylan iam de carona. Sentiu o vento mais gelado. “Yes, how many deaths will it take till he knows That too many people have died?” (“Sim, e quantas mortes ele causará até saber Que muitas pessoas morreram”?). Retirou o Pen Drive, fechou a janela e seguiu na solidão da estrada. Na curva do entardecer. De frente para o vento, em busca de respostas.



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