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Maresia e Cura

Por: Léo Borba, jornalista

Com a bolsa a tiracolo e uma sacola de plástico na mão, ela atravessou uma das vias da avenida e procurou um banco na larga calçada da Hercílio Luz. O som fanhoso que vinha da escola anunciava o término das aulas. Rapidamente, dezenas de alunos lotaram a calçada.

Como aves de arribação, sumiram pelas ruas transversais em direção ao terminal de ônibus. Sentada no banco vazio, colocou a bolsa no colo e a sacola de plástico em cima. Olhou ao redor para se localizar e sentiu no rosto o vento gelado que trazia do mar um gosto de sal. Pela calçada passam os servidores dos poderes. Secretárias e assessores do Tribunal de Justiça e da Assembleia Legislativa, em direção ao restaurante.

Ela abre a sacola de plástico e retira um sanduiche; um pão baguete com queijo, alface e umas rodelas de salaminho. Da mesma sacola, pega uma garrafinha pet com bebida láctea e coloca no banco. Faz o sinal da cruz e, com o sanduiche entre as mãos postas, rende graças pela comida. Depois de uma lufada mais forte, o vento se acalma, mas segue gelado, ainda salgado. Sozinha, no banco da calçada larga, come o sanduiche.

Na maresia da ilha, o almoço de dinheiro contado. Nos olhos, o cansaço da noite inquieta no banco duro da Van. Dez horas de estrada, curvas, neblinas, cochilos e esperança. - O seu encaminhamento está pronto. Na capital a senhora vai ter as condições de atendimento de que precisa.- diz o médico ao lhe entregar o prontuário e os exames.

Desde então, foram catorze viagens. O casal de filhos na casa da vó, o marido na ordenha e na lavoura; ela na estrada para exames mais apurados e os procedimentos que a doença exigia. Na Van da Prefeitura, mais uma ao grupo de viajantes em busca dos “recursos da capital”.

Os servidores voltam do restaurante, em passos lerdos e conversas amenas. Pela fresta de nuvens, o sol de inverno ilumina a calçada e as pistas da avenida. Terminado o sanduíche, toma o último gole da garrafinha e limpa os lábios num guardanapo de papel. O celular toca em meio ao ruído dos carros no sinal fechado. Ela atende, conversa e chora; um choro de alegria.

- Pronto! – Diz o médico. Um senhor de brancos cabelos desgrenhados. – A senhora já está curada.

– Um sorriso de pai ao entregar os resultados dos últimos exames. “Retome sua vida”.

As palavras do médico a acompanharam na descida do morro do hospital até aquele banco. Com a ajuda do espelhinho, retoca o batom nos lábios e confere as olheiras. Com a bolsa a tiracolo, levanta e caminha em direção ao pé do morro do hospital. Lá está a Van que vai leva-la pra casa. Mais de setecentos quilômetros, da maresia da ilha à barranca esquerda do Rio Uruguai.

Mas, desta vez, para retomar a vida. Na calçada Larga da avenida, apenas o banco de madeira sozinho, à sombra da árvore, sozinho numa tarde de sexta-feira.

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